A pipa
peça de Ruth Salles
Esta peça é baseada no conto homônimo do dr. Udo de Raes, traduzido pela professora Edith Asbeck. A pipa, soltando-se e subindo nos ares, vai passando por várias experiências que simbolizam o desenvolvimento da vontade. O corvo, que é um pássaro que voa muito alto e, na mitologia nórdica, dá notícias de tudo o que acontece, representa o aprendizado no mundo; a semente já é o começo do desabrochar do ser; a nuvem representa a altura atingida; as estrelas, a luz que clareia a alma; e o arcanjo São Miguel representa mesmo a vontade mais alta, que o ser humano enfim alcança.
PERSONAGENS: Coro, Pipa, Menino,Vento, Corvo, Semente, Nuvem, Estrelas, o Arcanjo São Miguel, o Pai do menino.
CORO (canta, enquanto o menino e o pai trabalham fazendo a pipa): “Um menino um dia vai, ajudado pelo pai, vai fazer a sua pipa, cruza bem as duas ripas, põe papel bem colorido e um rabo bem comprido. E o menino diz ao pai: – Olhe a pipa Vai-não-vai!”
PIPA (correndo e saltando): – Lá vou indo pelo ar, vou subindo em cabriolas. Lá no céu já vou chegar, rabeando a rabiola!
MENINO (para o pai): – Já dei toda a linha. A pipa está longe, tão pequenininha…
VENTO (passa correndo): – Zzz, vvv, vupt!
PIPA: – Ai, a linha se partiu! Foi esse vento zunindo… E agora, onde vou parar? Estou indo sem destino, bem soltinha pelo ar.
CORVO (fazendo uma curvatura): – Bom-dia, pássaro colorido, de asas brilhantes e rabo comprido!
PIPA: – Bom-dia, corvo, não sou pássaro, não.
CORVO: – Quem é você? E de onde veio então?
PIPA: – Vim lá de baixo, de um garotinho. Ele me fez com todo o carinho.
CORVO: – E para onde você vai agora?
PIPA: – Não sei.Vou voar pelo céu afora.
CORVO: – Já vi que você não pertence a este lugar. Aqui todos sabem onde vão chegar. Conforme é inverno ou verão, minha sorte é voar para o sul ou então para o norte. Você deve voltar para aquele menino. Pode-se perder quem não sabe o destino.
PIPA: – Que nada! Adeus, vou voar novamente! (encontra a semente) – Bom-dia, semente!
SEMENTE: – Bom-dia! Você é uma semente diferente, com raiz e tudo a voar na amplidão?
PIPA: – Não! Eu vim do menino que está lá no chão.
SEMENTE: – E para onde vai?
PIPA: – Não sei.Vou ao léu. Só sei que quero voar pelo céu.
SEMENTE: – Já vi que você não pertence a este lugar. Aqui todos sabem onde vão chegar. Vou com o vento que voa de leste… a oeste. Com ele, o calor do sol em mim se encerra. Quando estou bem quente, desço para a terra. E a terra, recebendo tanto calor, logo faz brotar em mim a linda flor. Se aqui você não sabe o que fazer, deve voltar à terra. Deve descer.
PIPA: – Que nada! Eu vou é voar mais ainda! (encontra a nuvem) – Boa-tarde, nuvem!
NUVEM: – Boa-tarde! Que nuvem linda, com o brilho avermelhado do sol poente!
PIPA: – Não sou nuvem, não. Fui feita por gente, pelo menino que está lá no chão.
NUVEM: – E para onde vai?
PIPA: – Por aí, na amplidão…
NUVEM: – Já vi que você não pertence a este lugar. Aqui todos sabem onde vão chegar. Eu recolho o vermelho do sol poente e faço brilhar sua luz novamente na rubra chama da madrugada. Faço chover e abençoo a terra, e o sol vem depois e me carrega para o alto do céu. É assim que eu vivo. Mas você, se não tem nenhum objetivo, deve voltar ao menino. Descer. Senão você pode se perder.
PIPA: – Que nada! Que nada! Eu já vou indo… Vejo lá no alto um brilho mais lindo! (encontra as estrelas) – Boa-noite, estrelas!
ESTRELAS: – Boa-noite, viajante! Que notícias nos traz lá da terra distante?
PIPA: – Eu venho do menino, que dorme, a sonhar. E sonha comigo até eu voltar.
ESTRELAS: – Então leve a ele nossas bênçãos de luz.
CORO: – Que luz! Que luz brilha no céu! Ah, é o arcanjo São Miguel! (O arcanjo lança a estrela na direção da pipa.)
PIPA: – Oh, com este fogo, foi para o chão que eu escorreguei!
MENINO (acordando, esfrega os olhos): – Que sonho estranho… Até acordei! (vê a pipa) A minha pipa! Ela voltou… Mas… seu papel se desmanchou… E a vareta de madeira mudou para esta, que parece uma cruz de ferro celeste!
O PAI: – Não fique triste. Agradeça à sorte, pois o ferro celeste é leve e forte. E assim, com ferro em vez de ripa, nós faremos uma nova pipa.
CORO (canta, enquanto a pipa é feita e sai voando): “E a pipa subiu e no céu visitou todos aqueles que um dia encontrou. E, junto com as estrelas, o arcanjo São Miguel fez com que ela tornasse a descer lá do céu. Sua cruz foi ficando mais e mais reluzente. Por anos subiu, forte e resistente. E, quando o menino tornou-se um rapaz, sua cruz transformou-se ainda mais. Agora, o antigo brinquedo é uma espada de luz que veio do céu. E então, com ela na mão, o jovem saiu pelo mundo sem medo, como cavaleiro de São Miguel.” (Todos saem cantando a canção do início.)
Fonte: https://institutoruthsalles.com.br/a-pipa/
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